Inovação

“Na escassez, a criatividade precisa existir”

Palestrante do 1º Festival de Inovação, Luciano Mantelli fala de suas experiências no sistema de saúde de Juiz de Fora e nas tendências para o setor  

 

Luciano Mantelli

 

Luciano Luis Mantelli nasceu em uma família de agricultores do sul do país e, aos 13 anos mudou-se da pequena localidade no interior do Rio Grande do Sul para estudar em Porto Alegre. Hoje, quando olha para trás, tem certeza que conseguiu realizar muito, mas sua inquietação almeja muito mais. Fundador da Fourge, consultoria que se dedica a ressignificar o olhar sobre as relações humanas e sociais, sejam elas nos níveis pessoais e organizacionais, ele está envolvido há mais de 20 anos em experiências nas áreas de saúde e educação.  

 

Com currículo extenso construído por atuações em várias cidades do país, Luciano não poderia ficar de fora do 1º Festival de Inovação, que será realizado pelo Moinho nos dias 3 e 4 de novembro em parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora. Nesta entrevista exclusiva, ele, que conhece bem o sistema de saúde de Juiz de Fora e região, desafia olhares e percepções sobre o desenvolvimento regional.  

  

SAÚDE 

 

Pude conhecer algumas experiências bem legais, principalmente, no que tange a integração do setor público mais próximo ao setor privado. Não é uma integração clara no dia a dia, mas comparando ao que a gente tem no Brasil, acho que existe uma relação bem mais próxima e muito fortalecida pela academia. Juiz de Fora tem alguns movimentos bem interessantes nessa complementariedade que deveria ser a base do sistema da saúde. O que nós esperamos de saúde suplementar versus saúde pública é essa complementariedade de fato. Na cidade, historicamente, já existe uma boa origem nesse plano de complemento. Também acho que um ponto muito forte é fazer com que a academia participe mais ativamente da saúde local. Juiz de Fora tem um bom sistema formador, acadêmico, mas acaba perdendo essas pessoas. Acho que esse é um dos grandes desafios a resolver. Há outro lado positivo mais voltado à essência do cuidado. Uma preocupação quanto à saúde do indivíduo e não somente mercantil. As academias estão muito alinhadas com esse desenvolvimento, menos com foco na especialidade, mais com foco em cuidado. Por mais que o desafio ainda seja longo, ele é bem mais alinhado do que no resto do Brasil a meu ver. É um grande desafio de fazer isso na prática, porque há rotatividade maior dos profissionais e também uma deficiência quando falamos do aparelho privado, empresas, indústrias mais próximas sustentando isso. Há um desafio muito grande em manter o sistema curador, hospitalar ainda tido como peça fundamental do sistema de saúde de Juiz de Fora. Ele é sim, extremamente importante. Porém, já estamos no momento em que precisa ser visto como especialista e não como base de cuidado. Esse é um grande desafio quando olho para a saúde local apesar dos vários pontos positivos.  

 

TENDÊNCIAS 

 

Eu posso dizer que eu tenho um lado muito otimista e um lado meio magoado, digamos assim. Viemos de um movimento muito claro, falando sobre necessidades do futuro da saúde, talvez um pouco alienado do ponto de vista prático antes da pandemia. Ela trouxe um ponteiro na realidade. Por vezes, estávamos falando mais sobre tendências e necessidades de mudança em eventos de transformação do que se dava na prática, na ponta. A pandemia botou luz onde a maturidade realmente estava. Durante esses dois anos, muito se falou na aceleração, principalmente, a partir da tecnologia que a pandemia nos obrigou a usar. Mas também acho que não foi uma aceleração, mas simplesmente a constatação da sua importância. Vejo hoje, infelizmente, muitos passos voltando, que é uma questão estruturante de defesa do mercado. Quando a crise vira financeira, a gente se transforma naquilo que somos de verdade, mostra a garra daquilo que mais nos segura ao chão. As pessoas estão mostrando as garrinhas, aquilo na qual se seguraram até agora. Nunca se teve tanta clareza sobre qual é o grande desafio da saúde no curto prazo. A gente tem uma tendência muito clara de transformação, a partir do consumidor de saúde, não do doente, não do paciente, não daquela pessoa que está exclusivamente com necessidade de cuidado. Acho que se criou uma concepção maior das nossas necessidades, do que efetivamente queremos daqui para frente. Como cidadãos, temos clareza maior do que efetivamente é saúde e o quanto nosso sistema é escasso.  

 

CRISE E CRIATIVIDADE 

 

Há uma tendência de aceleração, como outros diversos mercados, que vem a partir do clamor do cliente. Por outro lado, também acho que a gente vive uma tendência muito clara de escassez, porque há uma crise que não é mais sanitária. É uma crise que é econômica e, ao mesmo tempo, de inflação, de custo em saúde. É doido isso, porque não é novidade. Essa conta não fecha há muito tempo. Só que agora ela não fecha junto a várias outras e, por isso, temos uma escassez ainda maior. Na zona de futuro, a preocupação muito clara é sobre quem vai conseguir se sustentar para fazer essa transformação. Estou um pouco otimista nesta virada de ano, no pós-Covid na prática. Mas há uma questão política muito polarizada que foca pouco em resultado. Vamos ter que cair na real, e que, em 2023, façamos algumas mudanças. Na escassez, a criatividade precisa existir. Enquanto está sobrando dinheiro, a gente gasta o que não deveria. Por isso, ainda acredito muito nesse cenário que nos torna mais competitivos, inclusive do ponto de vista de criatividade. Não posso te dizer que a gente vira mais colaborativo, porque não acho que seja a nossa realidade ainda. Acho que a gente até se distanciou um pouco mais disso, mas, pelo menos na competitividade, a possibilidade de criação é maior a partir da escassez. Acredito em um cenário de transformação mais acelerado daqui para frente.  

 

TECNOLOGIA 

 

Falar de tecnologia hoje é falar de algo que a gente tem que comer igual feijão e arroz. Não consigo pensar nisso separado. Tecnologia é sustentabilidade dos negócios e não mais algo que inova somente. Trazer a tecnologia para a saúde é sinônimo de sustentabilidade, escalabilidade, acesso. Precisamos da tecnologia para resolver desafios exponenciais, de maneira que não nos restrinjam mais ao atendimento físico e analógico. O digital é peça fundamental para isso. Daí porque investir em tecnologias é ainda mais imprescindível. Também acredito que seja outro momento de uso de tecnologia. A gente tem que ter consciência de que ela não é mais pioneirismo. Penso em tecnologias diversas, inclusive tecnologia de cuidado em saúde, acadêmica. Falar de uma academia que não tem mais tempo para sofrer os ajustes que acontecerão linearmente daqui para frente. Ela precisa de algumas disrupções mais objetivas, vindas pela própria tecnologia. Não se admite mais que a gente tenha um modelo de educação, por exemplo, totalmente voltado a passar informação e que ainda converge ou discute com experiência prática, por exemplo. A tecnologia, na sua amplitude, que não só digital, precisa ser vista como base. Como é que seremos capazes de explorar 70% de tecnologias que estão disponíveis no mundo para usar efetivamente em negócios? Esse número é incrivelmente verdadeiro. Usamos apenas 30% do que criamos. Precisamos pensar em como melhorar os negócios a partir dela. Inovação é o assunto do momento, mas não aquela do post-it, dentro de uma salinha em que as pessoas fingem que estão em Gramado, onde todo mundo para na faixa de segurança, por exemplo.  

 

INOVAÇÃO 

 

A inovação que a gente precisa agora é transversal aos negócios e às matérias que estamos trabalhando, para resolver problemas no dia a dia de fato. Não pode mais ser vista como tema de evento, como um workshop. É matéria de futuro, de gestão. Para mim, hoje, só faz sentido falar de inovação como matéria comum, sabendo que ela tem capacidade de acelerar esse processo. A inovação em saúde tem o mesmo passo da inovação na educação. Não podemos mais falar do que não for projeto real. Na escola Hub, por exemplo, os alunos aprendem a partir de um campo de interesse. É um modelo de aprendizagem que propõe um entendimento maior do que percebem de conteúdo. Escuto, dentro das várias empresas onde atuo, que a saúde só vai mudar quando mudar a educação. Fico bravo, mas, ao mesmo tempo, reconheço que é hora de mudar a educação. Hora de mudá-la junto com nossa percepção. As pessoas deram conta que só com cura não fazemos saúde. Se na educação a prova remete a um falso nível de conhecimento, o check-up em saúde remete a um falso garantidor, sobretudo na segurança. Saúde precisa fazer parte do nosso hábito diário.  

 

POLO REGIONAL DE SAÚDE  

 

Tenho um campo crítico para realidade. A gente fala sobre um polo e eu não vejo isso na Zona da Mata ainda. Vejo várias iniciativas separadas com um total potencial para existir como polo. Uma zona que tem como característica inclusive a saúde como uma de suas referências de conhecimento, de empreendedorismo. Sempre me falam que é uma zona, mas na prática tem municípios separados. Acho que tem um grande potencial para se transformar em polo, mas é preciso que algumas casinhas ou caixinhas caiam, para que haja essa potência que só é possível quando iniciativas se juntam para criar mudanças.