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O transformismo como um ato político e de amor

Ele está em Juiz de Fora para a disputa do concurso que chega aos 40 anos de existência, projetando Juiz de Fora para o Brasil e o Mundo, e colorindo a cidade de diversidade, inclusão, pertencimento. De olho na cobiçada coroa do Miss Brasil Gay, edição 2022, a Miss Mato Grosso Gay, Muriel Lorensoni, nascida da criatividade e do protagonismo de Muryllo Lorensoni, esteve no Moinho. Não foi uma passagem qualquer.

 

Com a força característica das pessoas que sabem quem são e o que vieram fazer neste mundo, deixou um rastro de consciência crítica, encantamento e humanidade. Nesta entrevista exclusiva, Muriel conta porque deseja tanto ganhar a disputa – “é a possibilidade da minha voz ser amplificada, para que as pessoas possam ouvir a mensagem que tenho para transmitir” – e, ainda, porque o transformismo é um ato de resistência e de amor.

 

Confira o que ele falou sobre o Moinho. 

 

Moinho: Conte um pouco da sua trajetória. Como chegou até aqui, em Juiz de Fora, para disputar o Miss Brasil Gay?

 

Muriel – Nunca pensei, durante a infância e adolescência, que seria ou viveria a experiência transformista. Vocês que moram em Juiz de Fora estão bem habituados com o concurso Miss Brasil Gay e entendem bem o que é o transformismo. Mas essa experiência artística de transgredir para um outro gênero, de performar como esse gênero, ou seja, uma performance datada, e que também é, ao mesmo tempo, artística, política e social.  Em 2017, eu cursava doutorado pela Universidade Federal de Mato Grosso, em um programa chamado Estudos de Cultura Contemporânea. Durante esse programa, me coloquei à disposição para pesquisar sobre gêneros. E, mais do que isso, pesquisar sobre as performances de gênero. Entendo que o gênero é construído a partir de uma performance. Ele é uma construção social. Então as masculinidades e feminilidades com s bem grande do final, são construídas nesse convívio social, nesse contexto social e em dinâmicas sociais do cotidiano. A partir daí, surgiu a ideia de pesquisar uma Miss Brasil Gay, como fenômeno social que permite essa performance. No caso, é uma transformista que engloba tanto as esferas sociais, culturais e do próprio capital, por se tratar de um evento, com essas reflexões acerca de gênero. Tive a oportunidade de vivenciar a experiência transformista, participando do concurso Miss Mato Grosso Gay. Foi um evento no final de 2017, e a ideia dessa participação era ter um experimento, que é a Muriel, e esse experimento se tornar a narrativa da própria tese. Logo, a tese concluída em 2021 fala e narra minha experiência como transformista. Antes de terminá-la, eu já havia me inscrito novamente no concurso Miss Mato Grosso Gay com a intenção de chegar em Juiz de Fora para disputar o Miss Brasil, tanto por uma questão muito pessoal e particular – durante todo esse processo, isso acabou, de alguma maneira, me encantando e despertando a vontade de ter essa experiência -, e continuar o olhar sobre esse evento, esse fenômeno. Em 2020, não houve o concurso por conta da pandemia. E, em 2021, eu venci o Miss Mato Grosso Gay. Assim, cheguei aqui em Juiz de Fora como representante do estado.

 

– E qual é a sensação de estar em Juiz de Fora?

 

– Vou confessar que ao descermos do ônibus, tive um misto de sensações. Foi um turbilhão, porque é muito curioso você ficar debruçando sobre um trabalho de pesquisa, falando sobre um lugar, falando sobre pessoas, sobre acontecimentos e não conhecer isso, não vivenciar isso. É muito forte estar aqui, porque a minha tese de doutorado fala de Juiz de Fora. É uma tese que narra Juiz de Fora, não só o Miss Brasil Gay, mas que que fala sobre a cidade, sobre como ela acolhe esse evento e se orgulha dele. Isso passa muitas impressões sobre as pessoas que vivem aqui, sobre os valores das pessoas que, ao meu ver, são impressões muito positivas. Quando cheguei, me sentia muito agradecido de estar aqui e também muito feliz de poder conhecer, de ter contatos, de comprovar tudo aquilo que já havia comentado na minha tese.

 

– Tudo que você já viu e viveu em Juiz de Fora está de acordo com o que escreveu e pesquisou sobre a cidade?

 

Eu acredito que nós não podemos nunca falar numa totalidade. Eu não gosto de generalizar nada. Digo que embora a gente tenha esse imaginário de uma cidade que é gay friendly, que respeita a diversidade, que de fato se orgulha em ter um evento LGBTQIA+ do porte do Miss Brasil Gay, sabe que existem problemas sociais ainda. A gente sabe que a cidade ainda enfrenta casos de violência contra LGBTQIA+, que essa liberdade, em alguns momentos, é podada, é muito privada. Cada um tem um objetivo diferente em se orgulhar, em dizer que o concurso acontece aqui. Seja um objetivo monetário, do capital, seja propriamente pela luta e militância. Todo esse movimento é válido. A gente se simpatiza com a cidade a partir desse imaginário que foi construído. Nunca em uma totalidade, mas, de certa forma, percebo que a cidade acolhe muito bem essa comunidade e respeita também não só a comunidade LGBTQIA+, porque eu penso que o respeito é uma coisa global. A gente respeita as pessoas, os seres humanos, de uma forma muito mais ampla do que somente pela questão sexual e do gênero. Mas penso que Juiz de Fora é, sim, uma cidade bastante acolhedora.

 

– Qual foi a maior dificuldade que você já enfrentou?

 

Já enfrentei muitas dificuldades e elas estão relacionadas mesmo a uma questão da minha própria história de vida. Quando penso em empoderar alguém, esse empoderamento nasce muito da força que a gente tem dentro da gente. Muitas vezes a gente se sabota, acreditando que não pode chegar em algum lugar. Tenho um histórico muito parecido com grande parte das pessoas que eu acabei pesquisando durante o doutorado. Meninos que são gays, que não tiveram a presença do pai em casa, que nasceram em famílias humildes. Essa é uma realidade que hoje carrego com muito orgulho em poder dizer que consegui chegar no lugar que sempre almejei. Esse lugar não é referente ao capital, nada referente à posição social, mas referente muito à pessoa que me tornei. Muito confiante em mim mesmo. Sei muito bem quem sou. Falo que sou empoderado, porque me conheço. Sei das minhas forças e isso me deixa uma pessoa imponente. Até por isso mesmo, acredito que uma das dificuldades que não percebo, embora pode ser que aconteça de forma velada, por exemplo, é que não sofro homofobia. Nunca fui vítima de homofobia. Como eu disse, pode ser de forma velada, por ser uma pessoa que se empoderou nesse sentido. Isso para mim é muito positivo.

 

– E quando olha para trás e vê aonde você chegou qual é sua sensação?

 

Eu fico muito feliz por trilhar um caminho que me faz muito bem. Mas mais do que entender que esse caminho me faz bem, o mais gratificante é saber que isso faz bem a outras pessoas. Quando a gente fala de gênero, de sexualidade, de assuntos que ainda são tabus, acaba ensinando, aprendendo, desmistificando e trazendo valores que são os mais primordiais, como amor, respeito ao próximo, olhar para o outro e entender que ele é diferente, mas não é desigual a mim. Nem menos e nem mais. Assim, construímos, de fato, uma sociedade cada vez melhor, mais justa, mais igualitária, onde os direitos são de fato atribuídos e as pessoas se respeitam e se amam.

 

– Qual é o seu maior sonho?

 

Hoje o meu maior sonho é sair de Juiz de Fora com a coroa de Miss Brasil Gay. Essa coroa tem um significado muito maior do que mera vaidade. Não é um concurso de beleza. A coroa não representa isso para mim. É a possibilidade da minha voz ser amplificada, para que as pessoas possam ouvir a mensagem que tenho para transmitir, e que eu possa ser um elemento transformador. Essa coroa é uma grande oportunidade de fazer mudanças. Mudanças na vida de alguém, mudanças dentro da minha comunidade, mudanças nesse país, mudanças onde a gente precisa mudar. A coroa é essa potência, essa força.

 

– Como foi sua experiência no Moinho?

Essa é a pergunta mais difícil de responder. Estou extremamente encantado com esse espaço e desconhecia que isso existia em qualquer lugar do planeta. Nunca imaginei um complexo tão grande, com essa estrutura. Aqui tudo é tão lindo, com tantos valores empregados. Vi mais do que um espaço bonito, com decoração moderna. Vi um espaço que é muito humanizado, que pensa muito no outro, que pensa muito no coletivo. Pensar que tem uma energia própria, que tem reaproveitamento de água, ações que são muito valiosas para essa contribuição na própria sociedade. Ser também esse espaço que é bonito, que é criativo, que é leve, que tem uma vibe maravilhosa. E o problema maior é que eu não quero ir embora. Não imaginava que existia um lugar como esse em nenhum lugar do país e nem do mundo.