Educação

Coletivo Pedagogia Para Liberdade quer transformar a educação de base no Brasil

Educação, coletivo, periferia, missão, Zona Norte, paixão, ações afirmativas, propósito de vida. Todas essas palavras se articulam e se conectam perfeitamente no discurso da empresária Daniela Benício que acaba de instalar, no Moinho, a sede do coletivo de educadores Pedagogia para Liberdade. Grupo que, há sete anos, está transformando a educação brasileira, atuando diretamente na formação de professores, sobretudo, de escolas públicas, com núcleos em Juiz de Fora, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. Nesta entrevista, Dani Benício, como prefere ser chamada, fala do salto que estão dando com a criação da faculdade Somas, da necessidade de decolonizar a educação e de como as periferias são, de fato, as grandes protagonistas do processo de inclusão e transformação social. “Estar no Moinho me faz sentir extremamente coerente com o discurso da Pedagogia para Liberdade”, diz. “É uma reparação cultural que estamos fazendo”. 

Coletivo Pedagogia Para Liberdade quer transformar a educação de base no Brasil   

 

Moinho – O que é a Pedagogia Para Liberdade? 

Daniela Benício – “É um projeto coletivo que tem como missão transformar a educação de base no Brasil, formando professores que tenham amor por educação, amor pela infância, para que a gente possa repensar metodologias educacionais. Ela nasceu de uma dor pessoal em relação à formação e aos conteúdos educacionais e de um olhar para os meus filhos, para as infâncias, para tudo aquilo que a gente sente que precisa mudar. Começamos a botar a mão na massa, a juntar professores do Brasil inteiro – a maioria de escola pública -, que estão transformando a educação no Brasil. Pessoas incríveis que valorizam a cultura popular brasileira, nossa matriz cultural, ou seja, as questões étnico-raciais, de indígenas e negros. A cultura legitimamente brasileira, assim como também questões relacionadas ao meio ambiente na forma da gente se reconectar com a natureza. Há um déficit nesta relação com as infâncias, com as crianças, com os adultos, com os seres humanos. É um processo de educação que pensa em tudo isso, além da inclusão em vários aspectos, não só em relação às limitações físicas ou questões de direitos enfim, mas também a inclusão de seres humanos diferentes, porque todos nós somos diferentes. A gente trabalha também a educação para igualdade de gênero. É muita coisa. Muita coisa nasce daí.  

 

– Há quanto tempo realizam este trabalho? 

Existimos há sete anos e a pandemia fez a gente se reinventar. Começamos em Juiz de Fora, mas já estamos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília. A necessidade do distanciamento social quebrou para sempre o paradigma da educação. Os adultos não querem voltar para o presencial. Conciliamos esse lugar do ensino a distância com imersões de experiências pessoais e coletivas. Todo mundo no mesmo espaço, convivendo junto e desenvolvendo experiências impactantes. A Pedagogia Para Liberdade é uma licenciatura em Pedagogia. É destinada a qualquer pessoa que já tenha um diploma e que entenda a educação como uma forma de mudar o mundo. Além disso, a gente tem várias pós-graduações, como a de Educação Sistêmica, que olha para a floresta, para a nossa reconexão com esse mundo e para os modelos de design institucionais. Temos uma pós-graduação em Comida, Cultura e as Infâncias que é sensacional. Uma das professoras é a Bela Gil, que estará, inclusive, nas nossas interações. Comida é cultura, e de que forma a gente pensa a cultura a partir dela? Quais são as influências da alimentação que temos no Brasil e como trabalhamos isso? Não é uma pós-graduação que vai falar da qualidade da comida, mas sobre a história da comida. Temos também uma pós-graduação de Corpo e Educação que trabalha com fluidos corporais e o desenvolvimento corporal desde a infância. Há ainda a pós em Relações Étnico-raciais que é a nossa queridinha por tratar de um tema tão importante. Isso perpassa não só a matriz africana, mas a indígena também, assim como tudo o que implica nas formas de violência, na educação antirracista de verdade, no modo como os brancos podem ser antirracistas. Crianças nascem sem preconceito. As escolas, infelizmente, têm reforçado o preconceito e o racismo. É urgente desconstruir esse tipo de educação. Outra pós-graduação que oferecemos é para Igualdade de Gênero com discussão sobre masculinidades e todas as diferenças que existem hoje no mundo. É um tema super polêmico e também super necessário.  

 

– O que é a Somas e o que o Moinho tem a ver com ela?  

A gente está dando um grande salto aqui no Moinho. Estamos fundando a nossa faculdade, que é a Somas. Uma palavra no feminino com uma infinidade de coisas que cabem dentro dela, porque somos a soma de tantas coisas e estamos sempre somando elementos na nossa vida. A faculdade está nascendo nesse contexto do Moinho que tem tudo a ver com aquilo que a gente acredita, com aquilo que a gente vê que o mundo precisa. É muito bacana, inclusive estar na periferia, porque alicerça muito dos nossos valores. A gente quebra paradigmas e acrescenta outros desafios, coisas impensáveis. Vamos começar com três cursos: Pedagogia, Administração e Desenvolvimento e Análise de Sistemas. O curso de Administração é fora da caixa com reflexão sobre pensamento integral e institucional, meio ambiente, questões socioambientais, responsabilidade social, diversidade, papel da mulher. Enfim, uma administração do século 21. É uma proposta bem inovadora, que fala de empreendedorismo, dialogando muito com os jovens de hoje. O curso de Desenvolvimento e Análise de Sistemas está diretamente ligado à inovação, às profissões do futuro e à tecnologia. Os cursos de Pedagogia e Administração têm quatro anos de duração e o de Desenvolvimento e Análise de Sistemas dois anos. A Somas está sediada em Juiz de Fora, mas vamos atuar no Brasil inteiro com interações, experiências presenciais e uma série de workshops no Moinho, para aproveitar essa estrutura maravilhosa, e em outros polos parceiros.  

 

– Em que fase de constituição está a Somas? 

Estamos cuidando da parte das legalidades, adentrando no sistema do Ministério da Educação (MEC). É um processo moroso, porque depende de órgão público. Todo trâmite deve levar de oito meses a um ano. Então, a gente acredita que, em meados de 2024, a Somas estará 100% atuante. Enquanto isso, seguimos com uma série de projetos da Pedagogia para Liberdade, que será a entidade mantenedora. Estamos ocupando uma sala no coworking do Moinho, mas vamos ampliar nosso espaço físico também para as estações de trabalho individuais. Temos o projeto de construir uma biblioteca no quinto andar, além de utilizar o espaço multiuso e o auditório. A médio prazo, vamos montar um laboratório de informática com cerca de 30 computadores. Tenho o desejo de promover atividades com a comunidade, com quem está no entorno, para qualificar os meninos, as meninas, os jovens em programação e em outras áreas que dizem respeito à tecnologia, à vida. Com certeza, daqui vão nascer vários projetos coletivos e encontros e experiências compartilhadas. Não tenho dúvida disso.  

 

– Quantos professores já passaram pela Pedagogia Para Liberdade? 

Na verdade, na casa de milhares. Graças a Deus, a gente faz um trabalho muito bonito, de profundidade. São muitas pessoas que estão impactando a educação no Brasil inteiro, nas redes públicas. Pessoas que fundaram escolas, que têm uma pegada de inovação social, de inclusão, diversidade, ou seja, tudo aquilo que a educação precisa: respeito à infância, ao meio ambiente. Nosso grupo de educadores está espalhado pelo país. Esse é um ganho enorme de diversidade. Nosso sonho é realmente chegar, fisicamente, ao Nordeste, ao Norte, (temos alunos lá), porque são regiões ricas em diversidade cultural, inovação, criatividade. 

 

– Quais as estratégias de políticas afirmativas que adotam? 

Hoje a gente tem o sistema de cotas de ações afirmativas. Temos cotas para negros, indígenas e pessoas trans. A gente acredita que a educação precisa dessas pessoas inseridas para ter diversidade na real. São várias políticas de incentivo. Em alguns cursos, privilegiamos pessoas de escola pública. A gente trabalha com pessoas que têm vocação para serem educadores, que estão realizando um propósito na vida. São pessoas que escolheram o caminho da educação, porque acreditam que é uma forma de mudar o mundo. Muitos estão fazendo migração de carreira. Tem que ter muita coragem para isso. Não temos uma educação verdadeiramente brasileira. Ela é muito colonizada. Estamos repetindo o mesmo sistema que não funciona há 50 anos. A gente tem luzes de inovação, mas inovação nem sempre implica em laboratório de informática, de robótica. A educação se dá na singularidade do ser humano. A inovação está exatamente no processo de aprendizagem, na relação do educando com o educador, na conexão com a natureza.  

 

– O que é estar na periferia, na Zona Norte de Juiz de Fora? 

Quando mudei para Juiz de Fora, há 17 anos, montei uma escola em Benfica com a oferta de cursos técnicos. Tinha uma infraestrutura maravilhosa, porque acreditava que a educação precisava ir aonde as pessoas estavam, quebrando o paradigma da centralidade. Percebi um déficit de transporte público na cidade muito sério, porque não temos um terminal de ônibus urbano, o que encarece o custo. Esta é uma pauta que a Zona Norte precisa defender para o transporte público. Fiz muitos trabalhos com as escolas públicas da região. Entendo que a educação inclusiva está na periferia, onde a maioria da população vive e onde a cultura popular acontece. A cultura periférica é a cultura brasileira. Isso é super potente, super importante. Traz uma energia de legitimidade, de estar no lugar certo, no lugar que possa gerar desenvolvimento. A periferia precisa que as pessoas acreditem nela. Precisamos contar outras histórias da Zona Norte que não sejam as de violência. Tem muitas histórias bonitas na periferia. Isso é colocar o eixo onde sempre deveria estar. É uma reparação cultural que estamos fazendo. Estou muito feliz. Estar no Moinho me faz sentir extremamente coerente com o discurso da Pedagogia para Liberdade. 

 

 

Conheça a Pedagogia Para Liberdade 

www.pedagogiaparaliberdade.com